A Revolução Verde
A Revolução Verde foi um conjunto de técnicas, métodos e inovações aplicadas na agricultura após a Segunda Guerra Mundial, especialmente em países subdesenvolvidos para aumentar a produção de alimentos. Entre as novas tecnologias e técnicas destacam-se a manipulação genética de plantas, aumento na mecanização agrícola e uso de fertilizantes e defensivos químicos em larga escala.
Figura 1: Representação das inovações da Revolução Verde (Fonte: Auster Tecnologia).
Contexto histórico
O nome “Revolução Verde” foi oficialmente citado pela primeira vez apenas no final dos anos 1960, porém o processo de modernização da agricultura já havia começado no final da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria. E foi graças a esse contexto histórico que tais mudanças aconteceram, pois o mundo experimentava o fim de uma guerra verdadeiramente devastadora, em que muitos países precisavam se reconstruir, ao passo que outros sofriam com a falta de alimentos.
O grande foco das mudanças ocorridas durante a Revolução Verde foram os países em desenvolvimento, começando pelo México com a cultura de trigo, para a qual foram desenvolvidas as primeiras variedades geneticamente modificadas mais adaptáveis ao clima local. Com plantas de alta resposta a aplicação de fertilizantes e resistentes à doenças, o México, antes importador de trigo, em apenas sete anos quadruplicou sua produção e se tornou autossuficiente. Outros países também tiveram modernizações na agricultura, entre eles podemos citar a Índia, Paquistão, Filipinas e Brasil. Países desenvolvidos, apesar de não terem sido o grande foco da Revolução Verde, também modernizaram seus sistemas agrícolas.
Toda essa revolução começou e foi financiada pelos Estados Unidos, que no contexto da Guerra Fria, precisava estar à frente do bloco político (capitalista) que melhor atendia às necessidades das pessoas. E o aumento da produção agrícola em países que estavam sofrendo (ou poderiam vir a sofrer) com a fome contava muitos pontos a favor da ideologia ocidental, uma vez que tal revolução poderia até mesmo atrair a atenção de países que antes estavam mais alinhados com o bloco comunista, então liderado pela União Soviética. Outro ponto que justifica o empenho dos Estados Unidos na Revolução Verde é a geração de demandas da indústria química e de sementes por parte dos países em desenvolvimento. Esses, na maior parte dos casos, dependiam da importação de insumos e compra de sementes geneticamente modificadas para atender às demandas de produção agrícola local, agora modernizada.
As novas tecnologias e modernizações
A Revolução Verde foi um período no qual diversas novas tecnologias surgiram e outras, já utilizadas na época, tiveram seu uso difundido. Abaixo podemos ver alguns exemplos:
- Plantas geneticamente modificadas: Uma das mais importantes melhorias no contexto da Revolução Verde foi a manipulação genética das plantas, que puderam receber diversas melhorias como melhor compatibilidade em diferentes climas, resistência a pragas e doenças específicas, controle de porte, resposta à fertilizantes, etc. Com tais modificações não foi possível apenas aumentar a produtividade das lavouras, mas também cultivar plantas em locais onde antes seria impossível por incompatibilidade climática. O grande pioneiro desta ciência foi Norman Borlaug, conhecido como "o homem que salvou 1 bilhão de vidas" e detentor de um Nobel da Paz. Para saber mais sobre Borlaug, confira nosso artigo explicando sua trajetória (clique aqui para ler);
Figura 2: Norman Borlaug, uma das grandes mentes da Revolução Verde (Fonte: Encyclopaedia Britannica).
- Correção e adubação do solo: O solo, que antes dependia do processo natural de liberação de nutrientes ou de aplicações de fertilizantes rudimentares, agora contava com o uso de insumos químicos em grandes quantidades. Com isso foi possível a implantação de lavouras em solos que antes eram inférteis devido à pobreza em nutrientes ou acidez excessiva. Essa inovação gerou uma grande expansão das áreas agricultáveis no mundo inteiro e podemos citar a região Centro-Oeste do Brasil, que teve grande redução nas atividades pecuárias para dar lugar à cultura da soja;
- Uso de defensivos químicos: Com a produção de defensivos químicos (fungicidas, inseticidas e herbicidas) as doenças e pragas se tornaram um problema controlável. Antes o produtor rural dependia de aplicação de inseticidas rudimentares e processos braçais, como a capinação, para livrar suas plantações de pragas. Muitas vezes contando com a sorte e variáveis pouco controláveis para não ser acometido por doenças na lavoura, que em muitos casos poderiam simplesmente acabar com a sua produção;
Figura 3: Jacto Haramoto, uma polvilhadeira com barras montada em trator, lançada em 1962 (Fonte: Jacto).
- Mecanização agrícola: Antes do começo da Revolução Verde a produção agrícola dependia da mão de obra de muitas pessoas realizando atividades braçais de plantio, aragem, capinação, colheita, etc. Esses trabalhadores contavam apenas com ferramentas simples, manuais, de tração animal ou puxadas por tratores rudimentares, o que limitava muito a área cultivada por um grupo de pessoas (uma família, por exemplo). Porém, a modernização da mecanização agrícola permitiu que uma única pessoa apresentasse um rendimento superior, podendo realizar com auxílio de novos tratores, semeadeiras, pulverizadores e colhedoras combinadas, o trabalho de dezenas de pessoas (clique aqui para ler o artigo que escrevemos especificamente sobre o tema)
- Irrigação: O desenvolvimento de técnicas e equipamentos voltados à irrigação das lavouras permitiu o cultivo com menor risco, uma vez que a hidratação das plantas e solo deixaram de depender das chuvas. Essa inovação, além de reduzir os riscos, permitiram alcançar tetos produtivos superiores e em muitos casos tornaram possível o cultivo em locais e épocas em que não se tem rara ocorrência de chuvas.
Figura 4: O primeiro pivô central de irrigação, inventado por Frank Zybach em 1948 e patenteado em 1952 (Fonte: Valley).
No Brasil
No Brasil, a Revolução Verde chegou na década de 1960 (durante o regime militar), e foi um dos pilares do chamado “Milagre Econômico”. Foi a partir da modernização da agricultura e da produção de alimentos em larga escala que o Brasil se tornou um país exportador. Na época foram criados incentivos para produtores adquirirem terras a menores preços e ocorreu a ampliação da malha rodoviária para facilitar o escoamento das safras. Dentre os grãos cultivados, destaca-se a soja, produto para o qual o país concentrou seus esforços no mercado de exportação. Todo esse fomento à produção agrícola em larga escala levou à criação de projetos de pesquisa em universidades e à abertura de agências de fomento à pesquisa, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), fundada em 1973.
Figura 5: Ato de instalação da Embrapa, em 26 de abril de 1973. Na imagem vemos José Irineu Cabral (em pé), primeiro diretor-presidente da empresa (Fonte: Embrapa).
O lado negativo da Revolução Verde
- A fome no mundo: O principal argumento que deu origem à Revolução Verde era de que o aumento da produção de alimentos iria acabar com a fome em países subdesenvolvidos. Porém isso não ocorreu, pois a agricultura em larga escala foi implantada principalmente para monoculturas (como a soja), focada no mercado de exportação e não no consumo interno dos alimentos. Isso ajudou a melhorar a economia dos países envolvidos e garantiu fornecimento de alimentos para os países desenvolvidos, mas não teve impacto significativo na redução da fome, uma vez que o grande problema não era a produção de alimentos, mas sim a distribuição;
- Êxodo rural e estrutura latifundiária: Com o novo cenário de agricultura em larga escala, os pequenos produtores não foram capazes de implantar as novas modernizações e se viram obrigados a vender suas terras e migrar para as cidades, ao passo que os grandes produtores puderam expandir ainda mais suas propriedades e produções agrícolas;
- Esgotamento e erosão do solo: Apesar do uso de químicos para correção e fertilização do solo, o aumento significativo de produtividade e o cultivo intensivo ocasionaram seu esgotamento, pois estava exportando mais nutrientes do que recebia. Era comum, também, a ocorrência de desestruturações físicas, que causaram lixiviação e arenização a longo prazo, uma vez que os métodos convencionais de manejo (comuns naquela época) causavam exposição do solo nu ao ambiente;
Figura 6: Erosão do solo, processo intensificado durante a Revolução verde (Fonte: Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do RS).
- Desmatamento: Com a possibilidade de tornar férteis as áreas que antes não eram viáveis para a agricultura, aliada à pouca ou à ausência de proteção ambiental pelos países subdesenvolvidos na época, houve um intenso aumento no desmatamento a fim de expandir as áreas agricultáveis;
- Dependência de grandes empresas: Muitas das ferramentas utilizadas na nova e mais moderna agricultura eram produzidas por poucas empresas, especialmente indústria de químicos e de sementes, gerando uma dependência direta do agricultor que não era mais capaz de manter sua produção sem a compra de produtos, muitas vezes caros e que poderiam ter um único fornecedor.
Os dias de hoje
Hoje conhecemos a importância histórica, econômica e social da Revolução Verde, que foi um processo realmente importante e que nos trouxe a maior parte das tecnologias agrícolas com as quais podemos contar. Sem a Revolução Verde, poderíamos ter uma agricultura mais atrasada e fenômenos como o aumento populacional do planeta poderiam ter impactos verdadeiramente negativos na humanidade.
Mas apesar de sua importância, atualmente os métodos da Revolução Verde já são indiscutivelmente ultrapassados, pois o aumento produtivo a qualquer custo não garantiu o fornecimento de alimentos a longo prazo. Nos dias de hoje, somados a todas essas tecnologias surgidas na Revolução Verde, contamos com métodos de manejo mais sustentáveis, como o Sistema de Plantio Direto, rotação de culturas e Agricultura de Precisão, assunto citado com muita frequência aqui no blog.
Figura 7: A cobertura vegetal permanente do solo e o estabelecimento de uma camada de palha são fundamentais no Sistema de Plantio Direto (Fonte: FEBRAPDP).
O grande desafio não é apenas alimentar o mundo, mas também manter a continuidade da produção a longo prazo, tendo a ONU declarado abertamente pela primeira vez sua intenção em incentivar métodos agroecológicos, em simpósio realizado em abril de 2018.“O sistema de produção alimentar baseado nos sistemas agrícolas utilizando muitos insumos e recursos teve um preço alto para o meio ambiente. O resultado foi que os solos, as florestas, a água, a qualidade do ar e a biodiversidade continuam a se degradar, enquanto o aumento da produção a qualquer preço não erradicou a fome”, alega José Graziano Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
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