Além do NDVI: Um panorama sobre os Índices de Vegetação na agricultura
No artigo “Entenda o que é Sensoriamento Remoto” explicamos o que é a radiação eletromagnética, falamos sobre seu espectro e sobre como a reflectância de bandas eletromagnéticas pode ser associada a diversas características das plantas. Além disso, demos uma breve introdução sobre os índices de vegetação e suas aplicações na agricultura, principalmente no campo da agricultura de precisão.
Agora iremos decorrer de forma um pouco mais aprofundada sobre os índices de vegetação: o que são, como são criados, quais são os mais promissores e como podemos aplicá-los de forma prática na agricultura de precisão.
Recapitulando: O que são índices de vegetação?
Os índices de vegetação (IV's) são equações que combinam valores de reflectância de superfície de duas ou mais bandas do espectro eletromagnético com o objetivo de avaliar alguma propriedade da vegetação. É importante ressaltar que eles não são capazes de quantificar diretamente qualquer componente da vegetação, sendo seu uso apenas destinado a obter uma comparação relativa - e espacializada - desta propriedade entre as medições feitas, que pode então ser correlacionada com outras variáveis medidas a campo a fim de inferir valores absolutos de determinado componente da vegetação.
Conforme mostrado na figura 1, diversos fatores biofísicos exercem influência sobre a curva de reflectância da vegetação ao longo do espectro eletromagnético. Como exemplo podemos citar a absorção em torno dos 1400 nanômetros, que aumenta conforme o conteúdo de água nas folhas do dossel da vegetação aumenta.
Figura 1: Curvas de resposta espectral característica da vegetação (Fonte: Auster Tecnologia)
Mais de 150 índices de vegetação já foram publicados na literatura científica, porém apenas um pequeno subconjunto destes possui embasamento biofísico substancial ou foi testado sistematicamente.
Abaixo são apresentados detalhes sobre os 16 índices mais comuns na literatura agrupados em 6 categorias:
Conteúdo de água do dossel
Pigmentos foliares
Carbono seco ou senescente
Nitrogênio no dossel
Eficiência de uso da luz
Verdor geral
Cada categoria fornece diversos índices para estimar a presença ou ausência de alguma propriedade da vegetação. Para diferentes propriedades da vegetação e condições de campo, alguns índices em uma categoria fornecem resultados com maior validez do que outros. Comparando os resultados dos diferentes índices em uma categoria, e correlacionando estes às condições de campo do local em questão, é possível saber quais índices são mais adequados para modelar a variabilidade do cenário em questão.
Verdor geral
Os índices de verdor são algumas das medidas mais simples da quantidade de biomassa e vigor geral da vegetação. Eles são combinações de medidas de reflectância sensíveis aos efeitos combinados da concentração de clorofila nas folhas, sobreposição de folhas e arquitetura do dossel. Esses índices são projetados para prover uma medida geral da quantia e qualidade do material fotossintético na vegetação, o que é essencial na compreensão do estado da vegetação.
A maioria desses índices compara uma medida de reflectância da vegetação no pico da faixa do infravermelho próximo com uma medida na faixa vermelha ou verde do espectro, onde a clorofila absorve fótons para produzir energia através da fotossíntese.
O uso das medidas no infravermelho próximo, que penetra muito mais no dossel da planta do que a porção visível do espectro, permite inferir a quantia total de matéria verde na planta sensoriada. As aplicações desses IV’s incluem estudos sobre o crescimento/fenologia da vegetação, avaliação de uso da terra e impactos ambientais, e também a criação de modelos de produtividade da vegetação.
Índice de Vegetação por Diferença Normalizada - NDVI
O NDVI é utilizado para medir o quão saudável e verde está a vegetação ao longo da lavoura. Ele é um índice bastante robusto, sendo aplicável em uma vasta gama de situações, porém pode deixar de ser sensível em regiões de vegetação densa com um alto índice de área foliar (LAI). Este fenômeno chamamos de saturação do índice, caso em que ele atinge um valor máximo invariante, mesmo havendo diferença nas características da vegetação.
Os valores desse índice variam de -1 a 1, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores de 0,2 a 0,9.
Índice de Vegetação Aprimorado - EVI
Esse índice foi desenvolvido para ser um aprimoramento do NDVI. Ele otimiza o sinal em áreas de vegetação com alto índice de área foliar (LAI), onde o NDVI tende a saturar. Ele utiliza a reflectância da região azul do espectro como uma correção da influência do solo e da atmosfera.
O EVI foi projetado para uso com imagens de satélite (possuindo correção para os aerosóis da atmosfera, por exemplo), portanto é necessário testar a coerência de seus resultados caso seja utilizado com imagens capturadas por drones.
Os valores desse índice usualmente variam de 0 a 1 em áreas de vegetação.
Índice de Vegetação por Diferença Normalizada com banda Verde - GNDVI
O GNDVI é similar ao NDVI, mas utiliza a faixa verde do espectro e não a vermelha, com uma medição entre 540 e 570 nm. Essa modificação faz com que esse índice seja mais sensível à concentração de clorofila das plantas do que o NDVI.
O índice GDVI, a versão não normalizada do GNDVI, foi utilizado também com a proposta de prever doses ideais de nitrogênio para a cultura de milho nos estudos de Sripada, R., et al (2005).
Índice de Área Foliar - LAI
O LAI é utilizado para estimar a cobertura foliar da vegetação e também em estimativas de crescimento vegetativo e produtividade. Conforme pode ser visto na equação (abaixo), esse índice é uma variação do já citado Índice de Vegetação Aprimorado (EVI).
Os valores desse índice usualmente variam de 0 a aproximadamente 3,5.
Índice de Vegetação por Diferença Normalizada com banda RedEdge - NDRE
O NDRE é outra modificação do NDVI tradicional, que substitui a reflectância da faixa vermelha pela da faixa da Borda do Vermelho (conhecida como RedEdge), que é a curva íngreme localizada na transição entre vermelho e infravermelho próximo. Ela se estende dos 690 nm aos 740 nm, aproximadamente, e é causada pela transição entre a absorção de energia pela clorofila e a reflexão da energia do Infravermelho Próximo (NIR) pelas folhas, já que estas não o utilizam em seus processos biológicos.
A utilização da banda RedEdge torna esse índice mais sensível a pequenas mudanças na saúde da vegetação do que os índices que utilizam a banda vermelha. O NDRE é utilizado primariamente para avaliar o teor de clorofila das folhas e para sensoriar culturas agrícolas em estádios fenológicos mais próximos à senescência, quando o NDVI tende a saturar.
Os valores do NDRE podem variar de -1 a 1, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores de 0,2 a 0,9.
Eficiência do Uso da Luz
Os índices de vegetação de eficiência do uso da luz fornecem uma medida da eficiência com que a vegetação consegue utilizar a luz incidente para a fotossíntese. A eficiência do uso da luz é altamente relacionada à eficiência da absorção de carbono e à taxa de crescimento vegetativo.
Esses índices ajudam a estimar a taxa de crescimento e a produtividade, o que é útil na agricultura de precisão. Eles utilizam medidas de reflectância do espectro visível para aproveitar as relações existentes entre diferentes tipos de pigmentos e a partir disso inferir a eficiência de uso da luz na planta.
Índice de Reflectância Fotoquímica - PRI
O PRI utiliza uma formulação análoga ao NDVI, com uma medição de reflectância em 531 nm que é sensível à mudanças nos pigmentos carotenóides (especialmente pigmentos de xantofila) nas folhagens da vegetação, e essa medição é comparada à uma medição de reflectância de referência em 570 nm. Os pigmentos carotenóides são um indicativo da eficiência do uso da luz na fotossíntese, e também da taxa de absorção de dióxido de carbono pela folhagem por unidade de energia (solar) absorvida.
Esse índice é aplicado em análises de estresse e produtividade da vegetação antes da senescência. Seus valores variam de -1 a 1, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores na faixa de -0,2 a 0,2.
Índice de Pigmento Insensitivo à Estrutura - SIPI
O SIPI utiliza medições de reflectância que maximizam a sensibilidade do índice ao balanço entre carotenóides e clorofila, ao mesmo tempo que diminuem a sensibilidade a variações na estrutura do dossel (por exemplo, no índice de área foliar).
Maiores valores do SIPI indicam um aumento do estresse no dossel da vegetação (indicado por um aumento na quantia de carotenóides). Esse índice é aplicado na detecção de estresse fisiológico nas plantas e em análises de produtividade.
Seus valores variam de 0 a 2, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores de 0,8 a 1,8.
Índice de Proporção Verde Vermelho - RGRI
O RGRI indica a proporção relativa (ao longo da lavoura) entre a vermelhidão causada nas folhas pelas antocianinas e o verdor causado pela clorofila. Ele indica a produção de folhas e o estresse da planta, e em algumas espécies pode também indicar o florescimento.
O resultado do RGRI é calculado através da média dos valores de todas as bandas disponíveis na faixa do vermelho dividida pela média na faixa do verde. Suas aplicações incluem o acompanhamento do ciclo fenológico das plantas, a detecção de estresse no dossel e a previsão de produtividade.
Os valores desse índice variam de 0,1 a aproximadamente 8, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores de 0,7 a 3.
Matéria seca ou senescente
Os índices de vegetação de matéria seca ou senescente fornecem uma estimativa da quantidade de carbono nos estados secos de lignina e celulose. A lignina é uma molécula à base de carbono utilizada pelas plantas em seus componentes estruturais, e a celulose é primariamente usada na construção das paredes celulares em tecidos vegetais.
As moléculas de carbono seco estão presentes em grandes quantias em materiais lenhosos e na vegetação senescente, morta ou dormente. Esses materiais são altamente inflamáveis quando secos e aumentos em sua quantidade podem indicar o momento no qual a vegetação está passando pela senescência.
Esses índices de vegetação utilizam medições de reflectância na faixa do infravermelho de ondas curtas para aproveitar as características conhecidas de absorção de energia pela celulose e pela lignina. Eles podem ser utilizados para a detecção e quantificação de combustível para incêndios naturais, porém alguns fornecem resultados suspeitos em ambientes úmidos ou quando a matéria seca está oculta por um dossel verde.
Índice de Absorção de Celulose - CAI
Esse índice ressalta superfícies expostas que contém material vegetal seco, pois as absorções de energia nas faixas de 2000 a 2200 nm são sensíveis à celulose. Suas aplicações incluem o sensoriamento da palhada deixada pela lavoura (para fazer uma estimativa da quantia total, por exemplo), o manejo do pastoreio e o monitoramento do risco de incêndios.
Os valores desse índice variam de -3 a aproximadamente 4, sendo que a vegetação verde usualmente apresenta valores de -2 a 4.
Pigmentos Foliares
Os índices de vegetação de pigmentos foliares fornecem uma medida dos pigmentos relacionados ao estresse da vegetação, que estão presentes em maiores concentrações na vegetação enfraquecida. Esses IV’s não medem a concentração de clorofila, que é avaliada utilizando os índices de verdor.
Índice de Reflectância de Carotenóides - CRI
Os carotenóides são pigmentos que participam do processo de absorção de luz pelas plantas e também as protegem dos efeitos danosos que podem incorrer da absorção de luz em excesso. Eles são encontrados em maiores concentrações em vegetação estressada ou enfraquecida.
O CRI utiliza medições de reflectância no espectro visível para aproveitar as características espectrais de pigmentos relacionados ao estresse vegetativo. Maiores valores de CRI significam maiores concentrações de carotenóides em relação à clorofila.
Os valores desse índice variam de 0 a aproximadamente 15, sendo que a vegetação verde costuma apresentar valores de 1 a 12.
Índice de Reflectância de Antocianinas - ARI
Antocianinas são pigmentos solúveis em água abundantes em folhas recém formadas ou passando pela senescência. Esse índice é utilizado para medir o estresse da vegetação, visto que quando enfraquecida ela contém maiores concentrações de antocianinas.
O aumento do ARI indica mudanças ocorrendo na folhagem do dossel, seja via nascimento ou morte de folhas. Esse índice utiliza medições de reflectância no espectro visível para aproveitar as características espectrais de pigmentos relacionados ao estresse vegetativo.
Conteúdo de Água no Dossel
Como o próprio nome sugere, esses índices de vegetação fornecem uma medida da quantidade de água contida na folhagem do dossel. Sendo essa, uma variável importante visto que quantias maiores de água indicam uma vegetação mais saudável e que provavelmente irá crescer mais rápido e apresentar uma maior resistência a incêndios. Os IV’s de conteúdo de água do dossel utilizam medidas de reflectância nas faixas do infravermelho próximo e do infravermelho de ondas curtas. Assim, consegue aproveitar os efeitos conhecidos de absorção de energia pela água e também a capacidade do infravermelho próximo de penetrar o dossel das plantas para fazer medições integradas da quantia total de água na planta sensoriada.
Índice de Estresse Hídrico - MSI
O MSI combina medições de reflectância numa banda sensível ao conteúdo de água das folhas e noutra pouco sensível. Conforme a quantidade de água das folhas aumenta, aumenta também a absorção de energia na faixa dos 1599 nm, enquanto a aborção nos 819 nm, por outro lado, praticamente não é afetada, e por isso é utilizada como referência.
O MSI é invertido em relação aos demais índices de conteúdo de água, com valores maiores indicando maior estresse hídrico e menor conteúdo de água.
Índice de Água por Diferença Normalizada - NDWI
Esse índice é sensível a mudanças no conteúdo de água no dossel da vegetação através da utilização das propriedades de absorção de energia pela água na faixa dos 1241 nm. Da mesma forma que o anterior, ele usa uma medição de referencia numa banda pouco responsiva à quantidade de água na planta, porém é um índice normalizado assim como o NDVI e NDRE.
Índice Infravermelho por Diferença Normalizada - NDII
De forma muito similar ao NDWI, esse índice utiliza uma medição de reflectância sensível a mudanças no conteúdo de água no dossel das plantas. Os valores do NDII aumentam com o aumento do conteúdo de água no dossel.
Índice Multi-Banda de Seca por Diferença Normalizada - NMDI
Esse índice se diferencia por levar em conta um background da umidade do solo para monitorar condições potenciais de seca. O NMDI utiliza três bandas específicas por suas respostas únicas a variações na umidade do solo e da vegetação. É utilizada a diferença de reflectância entre duas bandas na região do infravermelho de ondas curtas (1640 nm e 2130 nm), cuja energia é absorvida pela água, como uma medição do conteúdo de água no solo e vegetação. A reflectância na faixa dos 860 nm, por outro lado, é utilizada como referência, pois não muda de acordo ao conteúdo de água das folhas.
Conforme a umidade do solo aumenta, o valor desse índice diminui. Os valores do NMDI variam de 0,7 a 1 para solo seco, 0,6 a 0,7 para solo com umidade intermediária e menos de 0,6 para solo úmido.
Nitrogênio Foliar no Dossel
Os índices de vegetação de nitrogênio no dossel fornecem uma medida da concentração relativa de nitrogênio na folhagem sensoriada. O nitrogênio é um componente importante da clorofila e geralmente está presente em altas concentrações em vegetações que apresentam rápido crescimento. Esse IV utiliza medidas de reflectância na faixa do infravermelho de ondas curtas para fazer medições relativas da quantidade de nitrogênio contida no dossel da vegetação.
Índice de Nitrogênio por Diferença Normalizada - NDNI
O NDNI foi projetado para estimar quantias relativas de nitrogênio contidas no dossel da vegetação. A reflectância em 1510 nm é fortemente determinada pela concentração de nitrogênio das folhas e também pela biomassa da folhagem do dossel, sendo usado como uma estimativa combinada das quantidades relativas de conteúdo de nitrogênio e biomassa foliar. Para isolar a influência do conteúdo de nitrogênio do dossel, usa-se uma reflectância de referência em 1680 nm, que contém um sinal semelhante porém influenciado apenas pela biomassa da folhagem, e não pelo conteúdo de nitrogênio.
Como pudemos ver, muitos índices de vegetação promissores e direcionados a diversas finalidades já foram publicados na literatura científica, porém a utilização destes em larga escala é sempre dificultada pela disponibilidade de acesso a plataformas que possibilitem a aquisição dos dados necessários à geração de cada índice.
As dificuldades que se apresentam à utilização mais ampla dos índices de vegetação possuem caráter tanto técnico quanto econômico, já que sensores dedicados a bandas espectrais específicas ainda são caros, assim como os drones que os embarcam. Além disso, a disponibilidade destes dados através de satélites varia consideravelmente entre as regiões do globo (já que constelações de satélites diferentes possuem bandas espectrais diferentes), além de tornar a operação dependente do tempo de revisita e das condições do tempo em cada local no momento de captura da imagem/cena do satélite.
Apesar das dificuldades existentes, a utilização dos índices de vegetação na agricultura de precisão vem acompanhada por grandes oportunidades de mercado, como a possibilidade de medir (e atuar em) diversas variáveis da lavoura que usualmente seriam inacessíveis. Nosso conselho aos colegas do mercado de sensoriamento remoto é que explorem a utilização de novos índices e novas oportunidades, a fim de descobrir se é justificado o investimento em um sensor dedicado (um câmera personalizada, equipada com sensores específicos para medir as bandas espectrais utilizadas no IV em questão).
Figura 2: Ciclo do desenvolvimento agrícola sustentável (Fonte: Auster Tecnologia)
Nesse contexto, as parcerias com instituições de ensino e pesquisa possuem grande valor, pois permitem comprovar de forma local (utilizando um espectroradiômetro, por exemplo) a eficácia dos índices de vegetação apresentados na literatura científica. E assim pavimentar com segurança técnica e econômica o caminho rumo à aplicação de IV's em operações de larga escala, beneficiando a comunidade como um todo através de um ciclo de desenvolvimento científico, inovação tecnológica e aumento da sustentabilidade e eficiência na lavoura.