O Homem que Salvou 1 Bilhão de Vidas
Norman Ernest Borlaug nasceu em Cresco, Iowa, em 25 de março de 1914. Diz-se que era um garoto alegre e desde cedo muito curioso sobre os caminhos da natureza. Naquela época não era incomum que os garotos largassem a escola para trabalhar no campo, mas o avô de Norman acreditava que apenas a educação traria as ferramentas necessárias para fazer alguma mudança acontecer no mundo e encorajou Norman a fazer dos estudos uma prioridade.
Aos 19 anos Norman viu a fome pela primeira vez. Visitando Minneapolis, em Minnesota, viu homens adultos mendigando e uma série de tumultos sociais emergindo em meio a protestos de trabalhadores por comida a preços mais baixos. Borlaug foi profundamente afetado por essas cenas. Ele se convenceu de que a fome extrema tinha bem mais do que apenas o estômago em suas garras, influenciando também a mente.
Figura 1: Norman Borlaug em 1970 (Fonte: Encyclopaedia Britannica)
Borlaug continuou sua educação em Minneapolis, onde graduou-se em Engenharia Florestal em 1937 e completou seu doutorado em Fitopatologia em 1942. Após deixar a academia e trabalhar por dois anos na indústria, Borlaug mudou-se para o México para trabalhar em um programa de melhoramento genético do trigo e ajudar agricultores a aprimorar suas lavouras e aumentar sua produtividade.
Trabalho no México
Quando chegou ao México em 1944, encontrou doenças destruindo as lavouras de trigo de forma descontrolada e um solo esgotado, com escassez de nutrientes. As produtividades eram baixas e os agricultores estavam tendo dificuldades para alimentar suas famílias. Cada pessoa faminta que Borlaug encontrou reforçou sua determinação e plantou uma semente de compaixão em sua alma.
Em certa ocasião ele escreveu à sua esposa dizendo: “Esses lugares que vi espancaram minha mente – Eles são tão empobrecidos e depressivos. Eu não sei o que podemos fazer para ajudar essa gente, mas temos que fazer algo.”
Naquela época era difícil imaginar que o México algum dia se tornaria autossuficiente na produção de trigo, e Norman se questionava se havia cometido um erro ao aceitar o desafio, mas não perdeu seus objetivos de vista. Ele e sua equipe focaram suas energias em resolver gradualmente os problemas que tinham em suas mãos.
Inicialmente Borlaug não recebeu suporte local, pois os agricultores Mexicanos eram céticos em relação a variedades experimentais devido a tentativas anteriores mal sucedidas de introduzi-las na região. Apesar disso, decidiu por mãos à obra mesmo sem um trator, utilizando um arado manual para preparar seus experimentos. Eventualmente os agricultores locais perceberam seus esforços e forneceram um pequeno trator a ele.
As lavouras de trigo locais estavam sendo destruídas por uma epidemia de Ferrugem do Colmo, então Borlaug não descansou até encontrar uma solução para o problema. Todo dia antes do sol nascer ele já estava no campo buscando uma forma de combater a epidemia, característica essa que manteve mesmo em idade avançada e que era motivo de admiração e inspiração para sua equipe.
O fungo causador da Ferrugem do Colmo (Puccinia graminis f. sp. Tritici), já considerada a doença mais temida dos cereais, faz com que se formem pústulas de cor marrom-avermelhada no colmo (caule) e folhas. A presença do fungo faz com que os grãos percam qualidade e pode desencadear um processo de murcha até a morte da planta. As lavouras infectadas por esse fungo acabam por ter produtividades muito baixas.
Figura 2: Planta de trigo afetada pela Ferrugem do Colmo. (Fonte: Wikipedia)
Melhoramento Genético do Trigo
A equipe de Borlaug precisava então aumentar a produtividade das lavouras através do cruzamento entre diferentes variedades de trigo, mudanças no sistema produtivo e, ao mesmo tempo, introduzir variedades que fossem resistentes à doença. O trabalho do Dr. Borlaug era, portanto, encontrar uma variedade resistente à doença, cruzá-la com variedades bem adaptadas ao local (porém suscetíveis à doença) e depois selecionar dentre as variedades resultantes as mais resistentes. Borlaug e sua equipe tiveram sucesso nessa tarefa em apenas três anos.
Avaliando e selecionando materiais genéticos duas vezes ao ano eles foram capazes de acelerar o processo de cruzamento, diminuindo pela metade o tempo esperado para criar as variedades resistentes. Essa estratégia tornou-se conhecida como “shuttle breeding”. Como os materiais genéticos eram cultivados sob o sol de verão do Planalto Central Mexicano e também sob o sol de inverno do deserto de Sonora (também no México), as variedades que Borlaug e sua equipe desenvolveram eram insensíveis à duração do dia, o que tornou o trigo extremamente adaptável a diferentes regiões.
Além de serem resistentes às doenças as novas variedades de trigo eram altamente responsivas aos fertilizantes, e com a alta disponibilidade destes elas prosperaram. Suas espigas cresciam grossas e com mais grãos, mas com esse sucesso veio um desafio inesperado: as novas plantas sustentavam muito peso nas espigas e seus caules longos colapsavam sob o peso dos grãos, um problema conhecido como acamamento. O acamamento tornava a colheita trabalhosa e ocorriam muitas perdas em produtividade, mas a equipe de Borlaug não desistiu.
Figura 3: Dano mecânico causado no colmo do trigo devido ao excesso de peso na planta. O fenômeno é conhecido como acamamento ou "lodging" (Fonte: Gardening Know How)
Mais uma vez o cruzamento genético trouxe uma solução que podia manter os ganhos em produtividade e ao mesmo tempo manter os benefícios de uma variedade altamente responsiva aos fertilizantes. A equipe desenvolveu uma nova linha de trigo proveniente de uma variedade "semi-anã", que possuía caules mais grossos e curtos, capazes de suportar um maior peso de grãos.
Para se ter uma ideia da origem do trigo semi-anão, a primeira variedade, chamada "Norin 10", foi desenvolvida no Japão logo após a Segunda Guerra Mundial e foi então introduzida em programas estadunidenses de melhoramento genético pelo geneticista Orville Vogel, na Universidade Estadual de Washington. Borlaug e sua equipe introduziram então a "Norin 10-Brevor 14", uma linha semi-anã de alto rendimento, em seu programa de melhoramento do trigo no México em 1953.
Seguindo a mesma estratégia de cruzamento, Borlaug e sua equipe foram capazes de resolver o problema do acamamento adaptando uma linha do trigo semi-anão ao México, o que tornou estas variedades semi-anãs conhecidas como "sementes milagrosas". Elas rendiam mais do que outras variedades de trigo, o que causou mais um grande avanço na produtividade, que a equipe já havia sido capaz de dobrar com suas variedades resistentes à Ferrugem do Colmo.
Figura 4: A evolução das variedades desenvolvidas por Borlaug (Fonte: Auster Tecnologia)
Assim, o que parecia impossível apenas 15 anos antes, tornou-se realidade quando em 1956 o México tornou-se autossuficiente na produção de trigo. Em 1963 eles já produziam grãos o suficiente para exportar e ajudar a suprir o resto do mundo.
Esse esforço coordenado de melhoramento e criação de novas variedades afetou mais do que apenas o México, Borlaug expandiu sua visão e seu programa de melhoramento também à Índia e ao Paquistão, aprimorando drasticamente seus sistemas produtivos.
O Paquistão produziu 5 milhões de toneladas de trigo em 1965 e chegou aos 8 milhões de toneladas em 1970. Na Índia, o trabalho de Borlaug e sua equipe foi ainda mais aprimorado pelo geneticista indiano Dr. Swami Nathan e sua equipe, que cruzaram as variedades desenvolvidas por Borlaug com variedades indianas, resultando nas variedades semi-anãs indianas denominadas Sonalika e Kalyan Sona, que também apresentavam alto rendimento e resistência às doenças, sendo introduzidas em toda a região produtora de trigo da Índia em 1963. Graças a esses avanços a produção indiana de trigo, que em 1965 foi de 12 milhões de toneladas aumentou para 20 milhões de toneladas em 1970 e chegou aos 86 milhões de toneladas em 2011.
Reconhecimento Internacional
A Agência Americana de Desenvolvimento Internacional (USAID) denominou estas melhorias dramáticas na produção de alimentos como "A Revolução Verde", e Norman se recusava a buscar qualquer coisa menor. Em uma de suas entrevistas, Norman comentou que “Quando o trigo estava se desenvolvendo bem, com o vento soprando sobre a lavoura, você podia ouvir as aristas do trigo roçando umas nas outras, e era como o sussurro de uma música que uma vez que você ouvisse, jamais poderia esquecer.”
O trabalho de Borlaug foi um símbolo da importância da agricultura para a comunidade global, e em 1970 ele recebeu o prêmio Nobel da Paz por seus esforços. Enquanto entregava o prêmio a Borlaug a presidenta do comitê comentou que “Mais do que qualquer outra pessoa de sua idade, ele ajudou a prover pão a um mundo faminto”.
Sobre sua nomeação, Norman comentou em uma entrevista: “... Eu fiquei particularmente feliz por ser nomeado para este prêmio pela simples razão de que a agricultura é sempre rebaixada, agricultura é uma palavra suja no mundo, e ainda assim a comida é importante três vezes ao dia.”
Norman dedicou a vida ao combate da fome no mundo e ao treinamento daqueles que continuariam nesta missão, transformando sua visão diretamente em ação. Possivelmente mais do que qualquer outra coisa, os feitos alcançados por Borlaug e sua equipe são os responsáveis pelo fato de que a produção de alimentos no mundo ao longo da era do pós-guerra cresceu em uma taxa maior do que a população (exceto por algumas partes da África subsaariana), prevenindo a fome em massa que era amplamente prevista e evitando o que se estima em um bilhão de mortes.
Figura 5: Norman Borlaug. (Fonte: Hoosier Ag Today)
Através da sua paixão, sua determinação e seu conhecimento no cruzamento de plantas, Norman Borlaug mudou o mundo e o deixou em um estado melhor do que o encontrou. Faleceu aos 95 anos, no dia 12 de setembro de 2009, há exatos dez anos.
Tem algo a dizer sobre o tema? Deixe sua opinião nos comentários abaixo!
Se deseja ver mais textos como esse, siga-nos nas redes sociais e acompanhe nosso blog.